Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

domingo, 19 de março de 2017

Destruindo clichês: "Violência só gera mais violência."

Um dos maiores vícios do debate moderno talvez seja o uso desmedido de clichês e slogans como substitutos para uma argumentação sólida. Isto é, frases ou provérbios de efeito que são tratados como axiomas ou verdades auto-evidentes, mas que no fundo são apenas fruto de pura preguiça intelectual e acabam apenas transformando debates sérios em discussões de pré-primário.

Nesta série, "destruindo clichês", que espero tenha vários outros textos para a frente (embora não possa prometer nada), me disponho a analisar e derrubar alguns dos mais comuns, expondo a fragilidade da sua lógica (ou falta dela) interna.

O primeiro destes é o clichê que abre o título deste artigo: "violência só gera mais violência", usado frequentemente por aqueles que defendem que o uso da força não é adequado para a resolução de absolutamente nenhum problema (principalmente desarmamentistas), sem levar em consideração as condições específicas do conflito em questão.

É possível que este clichê tenha sua utilidade para evitar brigas de crianças, como uma forma de ensiná-las a resolver suas diferenças de forma civilizado mostrando a elas que o uso da violência só tende a criar mais problemas do que solucioná-los. Mas sua utilidade - ou veracidade - termina aí.

Para explicar o problema desta lógica, é possível separar a violência em dois tipos, de acordo com sua motivação e propósito: a violência ativa, usada para demonstrar ou adquirir dominância, e a reativa, usada para auto-defesa.

O primeiro tipo é usado primordialmente para intimidar e gerar medo e expressar poder, tal como a violência praticada por gangues ou pais e cônjuges abusivos. A mensagem que esse tipo de violência tenta passar é bem clara: "eu mando neste lugar, e quem ousar se opor a mim sofrerá as consequências". O segundo tipo é essencialmente uma tentativa de resistência a esse tipo de violência, uma recusa à submissão.

Normalmente, quem se utiliza deste tipo de violência intimidatória só reconhece a linguagem da força. Isso significa que, uma vez que tudo que eles reconhecem é a força, a única coisa que eles respeitam é uma força superior. Mostrar ter mais força - e não ter medo de usá-la - passa a essas pessoas a seguinte mensagem: "usar a força para conseguir o que quer não será tolerado, e se você tentar fazer isso, não apenas não vai conseguir o que quer, como quem vai sair ferido é você".

Note que, uma vez que esse segundo tipo de violência é usado apenas como uma reação à primeira, é impossível haver violência reativa onde inexiste violência ativa. Mas é possível haver violência ativa onde inexiste a reativa, e é justamente nesses locais onde há mais vítimas inocentes, principalmente pela sensação de impunidade aos que praticam este tipo de violência. A mensagem que se passa para eles é "se eu posso conseguir o que quero praticando violência, por que parar?". O episódio recente da greve da polícia no Espírito Santo foi um exemplo muito claro disto.

Sendo assim, se for possível reduzir a violência ativa (aquela usada com o propósito de dominar) aumentando a violência reativa - isto é, aquela usada apenas para autodefesa - então o resultado será MENOS violência, e não mais. Ou seja: aplica-se certa quantidade de violência para impedir que uma quantidade ainda maior de violência seja iniciada. Aqueles que são contra a ação punitiva podem não vê-la em uma comunidade pacífica. O que eles podem não ver é que a garantia de punição pode ser o suficiente para impedir que a força física sequer seja usada em primeiro lugar. Se a força física não é iniciada, nenhuma reação violenta a ela é necessária.

Um clichê parecido, mas que caminha lado a lado com este, é aquele que diz que "quando um não quer, dois não brigam". Mas isto é apenas uma meia verdade. Para isto ser verdadeiro, aquele que não quer brigar deve ser capaz de se defender. Caso contrário, vira apenas saco de pancadas. Qualquer um que já tenha sofrido bullying na escola sabe que os valentões não estão procurando uma "luta justa", querem apenas mostrar quem é que manda. Valentões normalmente não brigam com outros valentões, apenas infernizam as vidas daquelas crianças mais fracas e incapazes de reagir ou resistir. Este ditado parece simplesmente não levar em consideração a hipótese de que quem quer brigar não passa de um covarde.

Já está na hora de começar a elevar o nível destes debates e começar a discutir estas questões como adultos, e não como se estivéssemos na pré-escola ou criando apenas um bando de crianças birrentas.

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